O Estado serve a quem?

Escrito coletivamente pelo Núcleo de Estudos sobre Branquitudes – NEB.

É uma enxurrada de práticas veiculadas ultimamente pela mídia que nos escancara mais uma vez o poder da branquitude dentro da sociedade (racista) brasileira. Nos referimos, primeiro, à prática genocida e eugenista do Estado, que, pelas truculentas operações militares nas favelas, tem matado cada vez mais corpos não brancos. Aqui, importa dizer que não estamos apenas responsabilizando o sujeito por suas práticas, mas entendendo que existe um sistema corporativo que tudo controla. Ainda assim, não podemos desconsiderar os silenciamentos apoiados em uma noção falaciosa de superioridade introjetada pelo racismo, que se revela em pseudo-justificativas, por exemplo, medidas tomadas para o bem-estar social. Nos perguntamos, então: bem-estar para quem? Sem contar alguns casos pontuais, que, apesar de nunca termos nos deparado, podem existir, alguém já se defrontou com notícias diárias de mortes por intervenção do Estado em bairros brancos? Reparou alguma ação policial violenta em relação àquele vizinho branco, classe média, e, quem sabe, influenciador digital, que recebe os amigos quase todo dia em plena pandemia? Já viu branco tendo seu guarda-chuva, celular, carteira, “confundidos” – muitas aspas, porque convenhamos que nem de longe se parecem – com objetos letais? Parece que o bem-estar destina-se a um público muito específico, não é mesmo? Direito a ir e vir, à moradia, à saúde, à educação, ao lazer, à dignidade? Tem cor e é enfeitado por discursos meritocratas, e isso nem mesmo nossa Constituição, com sua teoria de direitos iguais e equânimes, consegue negar! – e mesmo as leis e seus aparatos já são há muito tempo contraditórios, mas isso conversaremos em outro momento. E, depois, com a notícia do empresário, homem, branco, hétero, classe alta, residente em um bairro elitista – Alphaville – que agrediu um policial verbalmente, a gente vê mais uma vez o poder de uma corporação em escolher quem deve viver ou não. Lembram da fala do tenente-coronel da Rota de que a abordagem deveria se diferenciar quando na favela e quando nos Jardins (bairro elitista e branco de SP)? Pois é! 

E vemos também que a intenção dos dispositivos estatais não se constitui em proteger, mas em operar com o poder simbólico e material que se tem em certas localidades. Dizemos isso, pois os policiais se dirigiram ao local devido a uma denúncia de violência doméstica tendo o empresário como o agressor, e o que aconteceu? Mesmo com a possibilidade de uma tragédia se estender à mulher devido à posição e atitude do agressor, nenhuma tentativa de detenção ocorreu. O reforço foi chamado, o homem branco assinou um termo circunstanciado e foi liberado. Em contraponto, a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado. Tirando a sequência, com a produção de um vídeo pedindo desculpas, alegando não se lembrar de nada, pois estava sob efeito de álcool e remédios, e afirmando estar sob tratamento psiquiátrico. Típico! Nada para o sujeito branco! Nenhuma ameaça, nenhuma agressão, nenhuma prática violenta por parte da corporação. Não estamos aqui apoiando a violência como método de mudanças, mas também buscamos não nos deixar cair na armadilha que, segundo Paulo Freire, nos leva a confundir a revolta do oprimido com a violência do opressor. O que teria acontecido a uma pessoa negra se estivesse no lugar do sujeito branco? Quantas vidas brancas já vimos sufocadas sussurrando, porque a possibilidade de gritar também tem cor, que estão sem ar? Quantas vezes (a não ser as estratégias de culpabilização de pessoas não brancas comumente veiculadas e legitimadas em diversos âmbitos) assistimos a uma agressão (e aqui não estamos falando das resistências que se manifestam para a sobrevivência!) de pessoas não negras em relação a policiais? Tanto é que vimos muitos discursos de estranhamento quanto ao ocorrido e apoio ao policial, mas as estatísticas cada vez mais altas das práticas genocidas em favelas não chocam. Essa é a branquitude e suas corporações com a noção de que algumas vidas importam mais do que outras e berrando isso dia após dia, só não vê se não quiser! Agora que vê, o que fará?

Deixe uma resposta