Afroconveniência, serve pra quem?

Escrito por Caio Portela

No dia 02 de outubro de 2022 findou-se a primeira rodada de eleições e foram eleitos(as) deputados(as) e senadores(as) para cumprir mandatos nas Assembleias dos Estados, Câmara dos Deputados e Senado Federal. A Folha de São Paulo, às 21:36 do dia seguinte às eleições, noticiou um fato que surpreendeu analistas políticos, jornalistas e os(as) próprios(as) concorrentes às vagas: partidos que mais elegeram deputados(as) federais negros(as) são de direita.

Bem, sendo um veículo de comunicação que busca enfrentar os racismos cotidianos, deveríamos então estar felizes com esse aumento de representatividade negra nos espaços de poder, certo? Deveríamos, mas na real: não é bem por aí!

Fui dar uma  conferida nas candidaturas negras eleitas. 

Meu intuito era ver quem foram os irmãos e irmãs que entraram e ter ideia se poderia existir algum espaço de diálogo em torno da pauta racial, já que são todos(as) autodeclados(as) negros(as).

Foi aí que eu tomei um susto. 

Foram 135 deputados(as) federais autodeclarados(as) negros(a) eleitos(as). Desses(as), 100 são representantes da direita (25 do PL – partido de Bolsonaro; 20 do Republicanos; 17 do União Brasil; 15 do PP; 8 do MDB; 6 do PSD; 5 do Podemos; Pros e Avante, 2 cada).

Até aí tudo bem.

O que impresionou foi o fato de que 18 das 100 candidaturas eleitas da direita alteraram a autodeclaração racial de branco(a) para negro(a) “após a instituição da lei que determina peso dois para candidaturas femininas e negras à Câmara, medida que prevê maior fundo partidário no futuro às siglas que elegerem mais representantes dos grupos”, escreveu a Folha.

Fui então observar quem foi que alterou a autodeclaração. Foram eles(as): Alexandre Leite (União-SP), André ferreira (PL-PE), Carlos Gomes (Republicanos-RS), Cláudio Cajado (PP-PA), Cleber Verde (Republicanos-MA), Da Vitória (PP-ES), Delegado Marcelo Freitas (União-MG), Diego Garcia (Republicanos-PR), Elmar Nascimento (União-BA), Evair de Melo (PP-ES), Fernando Monteiro (PP-PE), José Rocha (União-BA), Juscelino Filho (União-MA), Maria Rosas (Republicanos-SP), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Pinheirinho (PP-MG), Professor Alcides (PL-GO) e Welinton Prado (Pros-MG). O portal Notícia Preta traz a foto de cada um/a no link https://noticiapreta.com.br/candidatos-pardos-brancos-eleitos/

Não precisa ser especialista na temática racial pra perceber que essas pessoas cometeram fraude na autodeclaração racial. São todas brancas.

Mas o pior não está aí.

A princípio, caro(a) leitor(a), você pode ser levado a fazer uma associação direta entre a prática da fraude na autodeclaração e os(as) políticos(as) da direita, uma vez que não é comum que a temática racial esteja na ordem do dia dos partidos desse campo. Contudo, parece que a possibilidade de obtenção de recursos vindo das cotas do fundo partidário atraiu tanto políticos da direita quanto da esquerda. Alice Portugal (PC do B-BA) e Félix Mendonça (PDT-BA) também alteraram a autodeclaração racial nesta eleição. 

Poderia ter sido motivo de chateação para mim o fato de Alice Portugal ter feito essa lambança na sua autodeclaração étnico-racial, pois ela era presença constante lá na casa dos meus avós no Rio Vermelho em Salvador, quando era colega do meu pai na antiga Escola Técnica da Bahia (atual IFBa). Inclusive na casa da minha avó, chefiada por um homem negro, tanto Alice quanto outros políticos brancos da esquerda eram recebidos de braços abertos.

Poderia eu considerar Alice uma traidora? 

Creio que não. Não se trai aquilo que nunca se defendeu. 

A prática de se autodeclarar negro(a) em troca dos benefícios concedidos pelas políticas afirmativas tem sido conhecida como Afroconveniência.  Quer dizer, a pessoa “opta” por se declarar negra pois terá vantagem ao se identificar assim.

Quero saber se quando uma pessoa branca passa a se declarar negra, além de receber os benefícios das políticas afirmativas, recebe também o ônus de ser tratado como negro num país racista como o nosso. Ser parado pela polícia, seguido pelo segurança do shopping ou simplesmente ser diminuído quanto a sua capacidade intelectual, não vem no pacote de negritude oportunista utilizado por essas pessoas. Quem faz isso usa de má fé para atingir seus objetivos e assim consegue obter cada vez mais privilégios. Como se já não tivessem muitos.

De um modo geral, em 2022 houve um aumento na identificação racial de candidatos(as) negros(as), contudo muitas dessas candidaturas são manifestamente irregulares. É só olhar o fenótipo dos(as) candidatos(as) que alteraram a identificação racial e foram eleitos(as).

A identificação racial é feita pela autodeclaração e consiste na afirmação da identidade étnicorracial feita pela própria pessoa, que é registrada no TSE pelos partidos. Políticos como ACM Neto (União Brasil-BA), candidato a governador da Bahia, teve a sua declaração contestada publicamente após se declarar pardo. Durante uma entrevista no Bahia Meio Dia, programa jornalisitico da Rede Bahia, emissora de televisão baiana presidida por ACM Júnior, pai de ACM Neto, o candidato reafirmou sua declaração racial dizendo que sempre se entendeu como pardo ou melhor “moreno” e, para ele, se o fato de se declarar pardo o torna negro, então “o erro é do IBGE”, afirmou Neto ao responder o jornalista Vanderson Nascimento, que é negro.

Será que faltou explicação ao herdeiro político de ACM – da linhagem de Francisco Peixoto de Magalhães Neto, branco, patrono do clã –  que a classificação de pardos e pretos enquanto negros, segundo o IBGE, decorre das características socioeconômicas desses dois grupos que, ao longo dos anos, tem seus indicadores de desenvolvimento humano assemelhados? Será que faltou leitura dos textos de Sueli Carneiro para compreender que essa categorização decorreu de uma extensa e profunda luta política dos movimentos negros brasileiros para que se incluísse a categoria pardo junto da categoria preto, pois considera-se que a missigenação não deu melhores condições sociais à esse grupo, como fez com os brancos? Ou melhor, será que falta ao candidato ao Governo do Estado mais negro do Brasil a percepção de que ele está cometendo uma fraude?

Creio que as três respostas sejam negativas.

O que realmente falta aos brancos brasileiros, esses do tipo Neto que querem praticar a Afroconveniência, é tomar vergonha na cara e deixar de querer levar vantagem sobre tudo, mais uma vez roubando e saqueando o que foi construído para e pela população negra com muito esforço.

Finalizo mandando um recado aos políticos brancos tanto da direita quanto da esquerda: 

Tira a mão do que é nosso: Afroconveniência, só serve pra vocês!

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