Escrito por Marcelle Rodrigues
Instigada e provocada pelo texto do Caio Portela, cujo título é “Eu sou neguinha?” – que saiu há algumas semanas e de leitura importante – decidi escrever esse texto. O texto do Caio termina com a mesma pergunta do título, desafiando as pessoas brancas à esse encontro por vezes impossível: admitir os nossos limites na luta antirracista e reconhecê-los.
Algumas semanas atrás estava num evento de lançamento de livro, no Centro da cidade do Rio de Janeiro, onde a maioria das pessoas eram pretas. Uma pessoa branca como eu, dificilmente consegue não reparar e estranhar essa outra dinâmica, que às vezes nos leva à ideias persecutórias do tipo: será que as pessoas pretas estão passando alguma mensagem? Será que aceitam pessoas brancas nesse espaço? Ser a minoria num evento acadêmico nunca tinha me acontecido e foi inevitável terminar à noite com os meus iguais compartilhando desse desconforto que se apresentou para nós.
Ainda sobre as reações das mulheres brancas em ambientes como esse, não caberia clichê maior além do que presenciei naquela noite. O bebê por conta da sua condição de extrema dependência, é digno de fragilidade e proteção, mas não deveria ser o caso de uma mulher branca adulta. Bom, eu disse deveria ser, porque venho pensando sobre a conveniência de se dizer pardo em alguns contextos e, definitivamente, dizer não é o mesmo que ser, como bem colocou Caio em seu texto, pois num país racista como o Brasil você é lembrado o tempo todo que não é branco (quando não se é), as pessoas pardas e pretas sentem no seu cotidiano.
Sabemos que ser branco é tirar o máximo de conforto e privilégios possíveis, é se beneficiar das relações, lotar-se das melhores oportunidades e ter a desculpa na ponta da língua quando sua onipotência é colocada em cheque: “entrar na faculdade está muito difícil depois da política de cotas.” Essa fala, de uma pessoa branca, diz que a lei de cotas não é ruim porque dita um ritmo diferente nas aulas da faculdade, sua preocupação é outra. O que antes era benefício exclusivo de um grupo racial agora precisa ser compartilhado com todas as pessoas. O normal é que seja concorrido para todos entrarem numa faculdade pública. O normal é que os direitos sejam universais, certo?
Não dá para se dizer pardo só na condição de obter benefícios. Se dizer pardo num lugar onde pardos e pretos são a maioria é muito oportuno, mas não é sustentado por muito tempo. Chegou a hora de ouvir uma resposta que não era esperada de uma pessoa que deveria apenas servir com submissão; isso foi o suficiente para a máscara cair: “você está muito agressiva!”, disse a mulher que se autodeclarou parda. Essa fala é um marcador de autoridade que limita a forma subjetiva de pessoas pretas serem no mundo. Quando confrontada, vocês podem adivinhar a saída? vitimização e choro. Mas ali a tentativa de virar a mesa não iria acontecer, as pessoas estavam advertidas em relação aos brancos, ops, pardos – ela não conseguiria roubar os holofotes dessa vez.
Choro como símbolo da feminilidade e proteção. As lágrimas comovem as pessoas, é difícil ver alguém chorando e não se sentir capturado por aquela situação ou ser indiferente. As lágrimas também podem ser um pedido de proteção para situações de emergência quando a criança não pode ou sabe como agir, mas já aprendeu a chorar. No entanto, isso não deveria ser utilizado como estratégia para não assumir o erro e não reparar tal feito, isso é coisa de branco que se vale da nossa estrutura racista.